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IlustracĢ§oĢƒes da Revista Oz, autoria de Martin Sharp

Em 1970, os editores da OZ magazine deram as rédeas editorias da revista a um grupo de adolescentes. Pouco tempo depois, a polícia apareceu.

Natasha Frost

Atlas Obscura

16 fevereiro 2018

OZ MAGAZINE

A MAGAZINE UNDERGROUND

QUE DEU ORIGEM AO JULGAMENTO

DA INDECÊNCIA BRITÂNICA

Numa festa de ano novo, em 1969, Richard Neville, jornalista australiano, recorreu ao seu coeditor da OZ magazine e confessou em tom alarmante que se estava a tornar velho e aborrecido. Na altura, pode ter parecido absurdo.


No entanto, menos de seis semanas depois, na edição de fevereiro de 1970 da revista, os editores colocaram nas
suas páginas de trás, um anúncio oficial. “Aqui na OZ, alguns de nós estão a sentir-se velhos e aborrecidos,” começa, “deste modo, convidamos os leitores da revista com menos de 18 anos, a virem e editarem a edição de abril.”


As candidaturas podiam ser individuais ou em grupo e os participantes escolhidos, não seriam pagos. Em vez disso,
os editores escreveram, “Vão poder usufruir, praticamente, de total liberdade editorial. Os funcionários da OZ vão
auxiliar exclusivamente na função administrativa.”


Apenas um ano depois, a edição da OZ em causa, resultaria no julgamento de indecência mais longo na história britânica, e num marco importante da contracultura. No espaço de alguns meses, centenas de cartas foram entregues a jornais britânicos argumentando sobre o caso, e centímetros atrás de centímetros de colunas foram preenchidos por comentadores inquietos. Começou a emergir um rancor fervilhante entre duas gerações. O julgamento da OZ,

tornou-se no emblema deste choque de culturas.

A OZ Magazine começou em Sydney, Austrália, com Neville. Lá, ele e os seus co-editores foram duplamente onerados pela impressão de uma publicação indecente. Em setembro de 1966, Neville foi até Londres sem intenção de ressuscitar a revista. Mas na história de John Green, Days in The Life: Voices From the English Underground, disse, “Senti que havia um excedente genuinamente irritado na sociedade. Não havia acesso a rock ‘n’ roll, as estações de rádio pirata tinham desaparecido, as mulheres não tinham direito ao aborto.” Acima de tudo, reparou na ausência de uma imprensa underground: “Isto, novamente, foi algo que se assemelhava a outra peça de comportamento repressivo e puritano, que queríamos combater.”


Em resposta a isto ou em apelo à sociedade, a primeira publicação da OZ Britânica foi publicada em janeiro de 1967. As suas 24 páginas incluíam um obituário para “o romance”, uma feature onde se questionava o porquê de existirem tantos pénis na pornografia americana e uma banda desenhada chamada, The Somewhat Incredible Turning On of Mervyn Lymp, Bank Clerk Extraordinaire. (Na altura, ‘turning on’ significava abrir a mente – embora, não necessariamente – através de drogas.)


A OZ era satírica, irreverente e psicadélica. Previsivelmente não lucrava muito. Ao falar com Green, em 1986, Anderson lembra-se de pagar aos seus colaboradores, praticamente nada ou apenas aquilo que podiam providenciar. As edições vendiam aproximadamente 30,000 cópias cada uma. (A leitura, pelo contrário, era muito maior – a revista era o tipo de objeto que se poderia passar entre amigos, quando acabada de ler.) Numa perspetiva estética, era descomposta, anárquica – os designers, referiu, tinham sido “soltos numa tipografia IBM, com várias trips de LSD à mistura.” No miolo, tinham várias piadas e cartoons irreverentes, listagens de shows e chamadas aos leitores para “DAREM O MERGULHO!” Cometam uma ação revolucionária. Subscrevam a OZ.”

Quando 1970 chegou, estavam três homens na chefia da revista – Neville, no final dos seus 20 anos; Anderson, no
início dos seus 30 anos; e Felix Dennis, que tinha feito 23 anos nesse mesmo ano.


Neville era o motor do jornal. Incrivelmente charmoso, suscitou uma devoção quase sectária àqueles que o
rodeavam. “Mais ninguém me poderia ter feito trabalhar por nada,” disse Dennis, que viria a ser um magnata de publicações que valeriam mais de um bilião de dólares. “Ele costumava seduzir pássaros nas árvores.”


Anderson, de cabelo claro, formado em advocacia na Austrália, considerava-se um satírico. Era extravagante,
irónico e abertamente gay, num tempo em que ser homossexual era perigoso e até ilegal. Dennis, um rapaz
prodigioso, era um músico mal-sucedido que captou o interesse do grupo quando enviou um vídeo caseiro para a
revista, explicando aquilo que estava de errado com a mesma. Agora, era o responsável pelas finanças, publicidade
e distribuição.


Uma equipa memorável de pessoas prontas para fazer algo acontecer, giravam em torno de Neville e da revista, incluindo a escritora feminista, Germaine Greer, o ilustrador e artista Martin Sharp e a artista e ativista política, Caroline Coon. “A ideia [de Neville] para desfrutar do tempo, era reunir pessoas fantásticas para escreverem para a revista,” Dennis relatou a Green em 1986. “Esse era o seu talento. A sua mais-valia.” Entre o apoio de celebridades, o conteúdo excêntrico, e uma série de anti-normas genuinamente explosivas, a revista tornou-se popular entre adolescentes e jovens adultos.

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IlustracĢ§oĢƒes da Revista Oz, autoria de Martin Sharp

IlustracĢ§oĢƒes da Revista Oz, autoria de Martin Sharp

Tudo isto conduziu à publicação mais infame da OZ: número 28, a edição Schoolkids. Dezenas de adolescentes tinham visto o anúncio nas páginas traseiras da 26ª edição da OZ. No ínicio de 1970, um pouco mais de 20 adolescentes escolhidos aglomeraram-se na sede da revista: uma cave em Notting Hill Gate, Londres, com um cheiro contínuo de marijuana, incenso, comida vegetariana e roupa suja. (Nas décadas seguintes, alguns destes jovens voluntários fariam nome para si mesmos: os jornalistas Peter Popham and Deyan Sudjic; o fotógrafo Colin Thomas; e o editor da Harper, Trudi Braun.)


Num artigo de 2001 para o The Guardian, Charles Shaar Murray, agora compositor, lembra-se da cave como “Pouco
iluminada e exoticamente mobilada.” Nesse espaço, o “glitterati do metro subterrâneo”, onde se reuniam
adolescentes de toda a parte do Reino Unido, deu-lhes as rédeas da revista. “Os três estavam, pelo menos, tão
interessados em nós, como nós neles,” escreveu Shaar Murray. Como verdadeiros miúdos (ao invés de imaginários/ teóricos), fomos questionados sobre as nossas opiniões sobre educação, política e sociedade, também sobre sexo, drogas e rock ‘n’ rol. Dado o acesso à revista, o que é que gostaríamos de dizer?”


Durante as semanas seguintes, estes adolescentes trabalharam juntos para responder a essa pergunta. O resultado foi literalmente pueril. Obsceno e intencionalmente assim, a capa possuía seios pneumáticos e azuis, enquanto que na 10ª página, se podia ver uma BD de um professor a masturbar-se enquanto se aproximava de um rapaz
adolescente para lhe tocar no traseiro. Proliferação fálica.  Um artigo de opinião escandaloso falava sobre as várias
idades com que as raparigas da escola de um dos colaboradores, perderam a sua virgindade. O resultado final,
estético e contraditório, estava entre o Molesworth de Ronald Searle, Rabelais, e o vídeo dos The Beatles, Yellow Submarine.


Eventualmente, saiu para as bancas e não vendeu de maneira promissora, lembra-se Shaar Murray, e pareceu ser
rapidamente esquecida.

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IlustracĢ§oĢƒes da Revista Oz, autoria de Martin Sharp

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Dois meses depois, o Obscene Publications Squad invadiu a cave. As portas foram fechadas, os telefones desligados e por volta de 400 edições da OZ 28 foram levadas como prova. Havia inúmeras razões que justificassem o interesse da polícia pela revista. Em primeiro, o desdém geral, o medo pela imprensa underground.


Outro motivo era a recorrente colisão entre a velha guarda e a crescente número de fumadores de erva e hippies adeptos do amor livre. A outra razão era mais técnica, disse Anderson a Green. O assédio policial a tipografias de “underground”, tinha os forçado a recorrer a gráficas cada vez mais hardcore, que na sua maioria faziam impressões de pornografia extremamente ilegais. A OZ não era exatamente pornográfica, mas preocupava-se com as questões da “liberdade sexual e liberação sexual,” disse Anderson. “Se queríamos publicar uma fotografia com conteúdo sexual, também teria de haver uma razão para tal, e insistiríamos em publicá-la.” Ligações com estas tipografias pornográficas não ajudavam a situação jurídica da revista.


Assim, no final de junho de 1971, Neville, Anderson e Dennis encontravam-se no tribunal número dois de Old Bailey.
Enfrentaram numerosas acusações de “conspirar com certos jovens para produzirem uma revista que continha artigos obscenos, lascivos, indecentes e sexualmente perversos, cartoons, desenhos com a intenção de devassar e corromper a moral de crianças e outros jovens e de estimular e implantar nas suas mentes, desejos luxuriosos e perversos;” publicar a edição; enviá-la pelo correio; e possuir 474 cópias para a sua publicação e ganho.


A polícia, disse Dennis a Green, parecia ter completamente mal-entendido a premissa da edição – em vez de ser
para crianças da escola, tinha sido produzida por elas. “Eles perceberam mais para o fim, mas não acreditaram que tinha sido produzida por crianças,” disse a Green. “Eles realmente acreditaram que tínhamos ido buscar um monte de crianças e tínhamos fingido que elas a tinham escrito, quando na verdade elas a tinham mesmo escrito.” O que se seguiu foram seis semanas de disputas legais, custando ao público britânico uns £100,000 – mais de um milhão de libras no dinheiro de hoje. O juiz, Michael Argyle, queria tornar estes três num exemplo, com os seus cabelos longos, ideias aparentemente radicais e roupas vibrantes. Os membros do júri tinham na sua maioria, acima dos 50 anos e pareciam sentir pouca compaixão para com os editores, com um fosso cultural e geracional que os separava.

Numa festa de ano novo, em 1969, Richard Neville, jornalista
Umas atrás de outras, testemunhas foram interrogadas sobre o conteúdo da revista e o efeito que podia ter em mentes jovens – até se a ilustração da capa poderia “tornar” uma jovem mulher heterossexual numa lésbica. Entre estas testemunhas estavam psicólogos, professores, escritores e diretores de escolas, que foram constantemente questionados, se o conteúdo, de facto, iria corromper as mentes e morais dos alunos. Alguns disseram que sim,
outros acharam que a sugestão era um motivo de riso. No tribunal, Anderson respondeu: “Nunca tive intenção de
fazer tal coisa. Pelo contrário, aliás.”


Um dos principais motivos de contenda era uma banda desenhada, de Robert Crumb, adaptada por Vivian Berger,
um dos adolescentes colaboradores. Nela, um dos personagens infantis, Rupert o urso, era visto a “desflorar” a sua namorada, conhecida com “Gipsy Granny”. Não é claro se a mulher, cuja parte de cima não é mostrada, está consciente ou consente. Neville disse mais tarde que no essencial o tribunal estava “profundamente indignado com os estudantes falarem sobre ereções de professores e a desmitificação do urso Rupert. Estavam absolutamente perturbados pela fusão de sexo, drogas, rock ‘n’ rol, e estudantes, tudo plena luz do dia.”


Visto que a acusação tinha referenciado o estilo de vida dos homens, os seus longos cabelos, a sua linguagem, a defesa temia que a sexualidade de Anderson se tornasse outro motivo de argumentação. A homossexualidade tinha
sido descriminalizada uns anos antes, mas ainda era frequentemente associada a degenerescência e até pedofilia.
O procurador, Brian Leary, parecia saber que Anderson era gay, disse Anderson, e fez saber, não de maneira explícita, referências a tal, com a intenção de apanhar o advogado de defesa desprevenido. Dennis explicou: “Isto era agora um assunto que envolvia crianças estudantes, e mesmo que com uma pistola à cabeça do parvalhão, Jim não tocasse em numa criança, o júri não pensaria isso.”

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IlustracĢ§oĢƒes da Revista Oz, autoria de Martin Sharp

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IlustracĢ§oĢƒes da Revista Oz, autoria de Martin Sharp

O caso recebeu uma inigualável atenção pública, provocando cabeçalhos atrás de cabeçalhos e composições atrás de composições. Ao menos, parte deste furor era graças às tentativas deliberadas da OZ e os seus “amigos.” “Kits de Imprensa” foram preparados para repórteres e no lado de fora do tribunal as pessoas vendiam botões e t-shirts
de uma mulher a fazer topless, onde se podia ler a estampagem “Julgamento de Obscenidade da OZ.” Estes artigos para venda tinham a dupla função de ajudar com as várias dívidas da revista e consciencializar as pessoas sobre o julgamento. Apoiantes famosos também contribuíram: Uma galeria em King’s Road, organizou uma angariação de fundos (“Ozject d’Art”) com trabalhos de Yoko Ono, David Hockney, John Lennon, Germaine Greer, e muitos outros. Lennon até lançou um single de caridade, mas fracassou.


O Times of London recebeu mais cartas sobre o julgamento naquele verão do que na crise do Suez em 1956. “A opinião dos nossos correspondentes tem sido, de grosso modo, igualmente dividida entre a favor e contra os acusados,” escreveram os editores. Muitos repreenderam a Times pela falta de apoio para com a revista. Outros estavam firmemente do lado do tribunal. Um escritor de uma das cartas, Bernard V. Slater, designou a revista como “propaganda de sexo”, enquanto que outro como A. D. Faunce, proclamou que “Considerar um produto prejudicial
para as mentes das crianças, parece ser tão antissocial como impor drogas. A sociedade tem o dever de proteger os mais novos.”

 

No entanto, o que pareceu irritar mais as pessoas, foi o desperdício e falta de senso comum apresentado pelo
tribunal. O Obscene Publications Act de 1959 foi originalmente uma tentativa de erradicar pornografia hardcore. A OZ podia ser obscena, mas não procurava ser pornográfica. Um exemplo deste tipo de queixas foi a carta de um leitor da Times chamado Laurie Kuhrt, que chamou a este caso “um triunfo da injustiça,” com “a indústria
pornográfica a continuar a prosperar enquanto a OZ é ameaçada com a banca rota.” Mais tarde, o New Law Journal
descreveu o caso como algo sem propósito, com “menos de 27 dias de trabalho em tribunal” dedicados a um julgamento que resultou numa “não substancial melhoria da lei relativa à obscenidade, e certamente nenhuma vantagem para o interesse público.” Em suma, foi uma perda de tempo colossal.

Na quarta-feira, 28 de julho, os membros do júri reuniram-se durante três horas e 43 minutos. Quando voltaram, uma
maioria de 10 para 1 considerou os editores culpados de quatro das cinco acusações – publicação de um artigo
obsceno; enviar os artigos obscenos por correio; e publicarem duas vezes os artigos obscenos para seu ganho. No final do julgamento, foram enviados para a ala psiquiátrica da prisão de Wandsworth, onde os seus cabelos foram cortados. Eventualmente, Neville foi condenado a 15 meses de prisão, Anderson a 12 e Dennis a apenas nove meses. Os dois australianos foram recomendados à deportação. Fora de Old Bailey, os protestantes confrontavam a polícia, queimavam a efígie do juiz e atiravam bombas de fumo. (No dia seguinte, seriam imortalizados no machete
do tabloide Express: “The Wailing Wall of Weirdies”).


No fim, os editores cumpriram apenas uma semana na prisão. Uma fonte credível descobriu que o juiz tinha
grosseiramente desorientado o júri, entre numerosos erros judiciais. As condenações foram anuladas. A multa de £1200 foi reduzida para £50, as recomendações de deportação foram retiradas e os homens caminharam livres, usando longas e extravagantes perucas.


Mais tarde, a circulação da OZ disparou e depois caiu abruptamente. Neville já lá não estava de coração. “De alguma maneira, ao tratar a nossa defesa, senti que me estava a tornar cada vez mais propagandista e cada vez
menos o Richard Neville que passeava por Londres, trabalhava com um grupo de pessoas de quem gostava e
respeitava, tentado dar uma plataforma a escritores e cartoonistas – o que a OZ era na sua essência.” Ser forçado a
justificar o seu trabalho na presença de superioridade moral, refreou o espírito da OZ”, disse. Em novembro de 1973,
enfrentando a banca rota, a revista fechou e os três instigadores avançaram com as sua vidas.


Durante décadas, as cópias da revista eram poucas e dispersas, difíceis de encontrar e valorizadas por colecionadores. No entanto, em 2014, a OZ foi devolvida ao público através de uma colaboração entre Neville e a
Universidade de Wollongong, na Austrália. Agora, todas as edições estão disponíveis online, com as suas BDs obscenas, impressões esporádicas e um fervor genuinamente revolucionário para todos verem.

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IlustracĢ§oĢƒes da Revista Oz, autoria de Martin Sharp

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