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O Movimento de contracultura

na sociedade e na arte

O relato sobre o movimento do século XX, que despontou nos anos 60 e marcou a última metade do século anterior.

Andrey V. & Eli Anapur

Widewalls Editorial

outubro 2016

Foi o melhor dos tempos, o pior dos tempos – começa Dickens no seu romance, Tale of Two Cities. Com uma
dualidade semelhante, podemos iniciar o nosso relato sobre o movimento de contracultura do século XX, que despontou nos anos 60 e marcou a última metade do século anterior no ativismo, movimentos sociais e artes. A Contracultura, por si só, não pode ser explicada se o seu antagonista não é descrito e definido. Para ser contra algo, o outro tem de existir, e neste caso, é a cultura mainstream dos EUA e da Europa Ocidental e Setentrional da altura. Outra característica importante para qualquer movimento ser considerado como contracultural, é a sua massa crítica. A posição de contracultura pode ser facilmente proclamada, mas se o movimento não tiver poder suficiente ou membros do grupo para iniciar uma mudança social, ou sequer ser detetado, não nos podemos referir ao movimento de contracultura. Outro aspeto que é mencionado no início – a dualidade da contracultura – diz respeito a uma incerteza geral no que toca aos aspetos positivos e negativos deste movimento. Como muitos podem argumentar que a contracultura dos anos 60 proporcionou importantes mudanças através de movimentos políticos feministas e antiguerra, outros podem evocar o conhecido sentimento banal – se se lembram dos anos 60, não podem ter estado lá – aludindo ao consumo de drogas e experimentações sexuais de diferentes criadores desse período. De igual modo a Dickens, pode-se dizer que a contracultura dos anos 60 é marcada pelos melhores e
piores tempos, ao mesmo tempo.


Antes de nos focarmos numa descrição mais detalhada da contracultura dos anos 60, começaremos por analisar a
definição de contracultura alguns dos seus precursores históricos. O movimento de contracultura não está apenas
ligado ao século XX, mas a movimentos semelhantes que contrariavam costumes culturais dominantes da altura
também marcaram algumas das épocas anteriores.

Foto de Jimi Hendrix, de iran cohen

Contracultura – Rumo A Uma Definição

O livro, The Making of a Counter Culture, de Theodore Roszak, é considerado a primeira obra teórica em inglês que
mencionou o termo ‘contracultura’. A parte importante, ou mais precisamente, parte necessária para definir contracultura, é o seu contrário ou cultura mainstream. Esta oposição pode dizer respeito a todos os aspetos de
cultura, ou elementos mais específicos como os valores de classe-média, os valores adultos ou as agendas políticas diferentes. Curiosamente, contraculturas são frequentemente definidas em termos orgânicos. Estas germinam, crescem e eventualmente perecem e tornam-se apropriadas à cultura mainstream, contudo deixando a sua marca nos seus sucessores. Ainda hoje, continuamos a experienciar e viver nos sistemas que foram formados pelos Hippies, os Românticos e os Beats. No geral, contracultura é um estilo de vida alternativo, uma forma de expressão ou um sistema social que, e como o termo indica, contraria o dominante ou o normativo e muitasdas vezes conduz a uma transformação nesse sistema.

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flower power, de bernie boston

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 grupo THE MONKEES, fotografia da NBC TELEVISION

Exemplos de Contracultura

ao longo da História

Apesar de ‘contracultura’ ser um termo diretamente ligado aos anos 60, ao longo da história, existiram movimentos que se opunham aos sistemas dominantes de ordenação social e cultural. Entre estes está a Boémia, que despoletou em Paris no século XIX até à Primeira Grande Guerra. Os seus membros, frequentemente reuniam-se em cafés para discutir ideias e para observar a burguesia. Através dos seus convívios e a partilha de ideias semelhantes, a primeira identidade Boémia foi criada. Era caracterizada pela sua repulsão ao materialismo, valores morais rígidos e era conhecida pelo uso de drogas e outras substâncias psicadélicas. Um movimento ligeiramente mais proeminente na contracultura que afetou quase todas as esferas da sociedade, desde a arte à ciência é o Romantismo. Sendo os seus maiores oponentes, o pensamento Iluminista, o Classicismo e o Racionalismo Moderno, o Romantismo que floresceu desde 1800 até 1850, colocava o mundo emocional antes do mundo racional, criando estéticas específicas e afetando várias décadas após a sua decadência. No século XX, para além da contracultura dos anos 60, a qual mencionaremos depois, existiam outros movimentos que se opunham aos costumes da sociedade moderna. Muitos deles são conhecidos como precursores da contracultura dos anos 60.

A Contracultura dos Anos 60

As mudanças sociais e políticas que ocorreram no final dos anos 40 e 50, influenciaram diretamente o desenvolvimento da contracultura dos anos 60. A Cultura Beat gerou-se em Nova Iorque nos anos 50. Era um movimento literário que rejeitava o estilo oficial literário, o materialismo e o conformismo que se desenvolvia na América dos anos 40. A literatura Beat foi mais tarde aculturada na cânone literária, com, provavelmente, o seu autor mais célebre, Jack Kerouac, mas influenciou todavia, vários movimentos sociais dos anos 60. Enquanto que para muitos, o movimento dos anos 60 estava ligado à cultura da juventude da altura, outros vêem-no como um movimento mais difundido, afetando aspetos versáteis da sociedade. As mudanças iniciadas por este movimento influenciaram não só a Europa do Ocidente e os EUA, mas também estavam a ocorrer em outros países à volta do mundo como o Japão, a Nova Zelândia e a União Soviética. Contudo, o foco aqui será na contracultura da América, já que as suas alegorias tiveram uma influência significativa na cultura popular e arte em todo o mundo.


De modo geral, a contracultura dos anos 60 é um fenómeno cultural anti-estabelecimento que rapidamente se
ramificou para diferentes formas de expressão, frequentemente superando a divisão entre cultura/contracultura. O Movimento dos Direitos Civis Americanos começou a ganhar impulso e logo, de seguida, tensões noutras esferas de construção social tornaram-se evidentes. O Movimento de Liberdade de Expressão, A Nova Esquerda, O Movimento Anti-Guerra, O Partido dos Panteras Negras, O Feminismo e Movimentos Ambientalistas também
se desenvolveram através das suas exigências distintas, muitas vezes professadas por alunos e em campos
universitários por toda a América. Dececionados com o Sonho Americano, os organizadores e membros jovens
destes grupos vieram em multidões de famílias brancas de classe média à procura de alternativas. Os Hippies criaram comunidades que experimentavam diferentes formas de organização social, apelavam à paz e ao término da Guerra do Vietnam, mas também experimentavam várias substâncias psicadélicas. Juntamente com o ativismo, a
arte também foi afetada pelas mudanças significativas que ocorriam neste período. Música Rock Psicadélica, Pop
Arte e espiritualidade são alguns dos exemplos. Estas incluíam, se calhar, surpreendentemente, algum cinema de
Hollywood, mostrando que membros do movimento de contracultura estavam presentes até dentro das empresas
da indústria cinematográfica.

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Gay liberation day, de diana davier

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Fotografia da linha de produtos

“Electric Skin 1”, de “Haus-Rucker-Co”

Contracultura Dentro da Nossa Sociedade

Sempre que ocorreu algum momento de contracultura na história, este ambicionou mudar algumas partes estabelecidas da nossa sociedade, logo, não é surpreendente que todos estes movimentos afetaram as nossas vidas de certo modo. Alguns, fomos só capazes de testemunhar, outros exigiam que lhes pertencêssemos, outros
alteraram as nossas vidas de cima a baixo.

 

Independentemente se são derradeiramente sucedidos ou estão condenados ao fracasso, os movimentos de contracultura são vitais e uma parte natural da nossa
existência. Ao aceitar esse papel significativo, é lógico que a contracultura tenha desenvolvido relações interessantes com outros aspetos das nossas sociedades. Cada período teve a sua variação de como a contracultura se integrou com o nosso quotidiano, mas os tempos modernos tiveram alguns exemplos interessantes de como estes movimentos se integraram nas casas das pessoas.

O Poder dos Mídia

A segunda metade do século XX demonstrou que os mídia podem ser descritos como o centro da maior parte das
culturas – especialmente as mainstream atuais. Publicidade, televisão, vídeo e música têm-se provado vitais para a
sociedade, assim como alguns dos bens mais poderosos que alguém pode possuir no seu arsenal. Ao utilizarmos todos os benefícios que se obtêm ao controlar o que é exposto às pessoas no dia-a-dia, estamos subitamente habilitados a impor um novo conjunto de normas e tendências que definem o que é considerado cultura durante esse período de tempo. Desde que se comprovou que os mídia são uma arma de todas as pessoas interessadas em impor os padrões culturais atuais, isto também tornou os mídia na ferramenta perfeita para aquelas que desejam usá-los de maneira diferente da atual. Décadas depois do ano de 1960, viram a sua quota-parte de cultura e contracultura a combater através de diferentes estabelecimentos de mídia. Alguns dos exemplos mais célebres desse período são as transmissões televisivas de apoiantes da Guerra do Vietname e programas de rádio de pacifistas underground que visavam parar com o conflito, o frenesim dos mídia à volta d’Os Beatles e os
homólogos famosos dos The Monkees que troçavam da primeira boy band oficial, todo o caso envolvido em torno do movimento hippie, etc. E mais recentemente, toda a relação cultura-mídia-contracultura assumiu um novo conjunto de regras, já que o mundo foi introduzido a uma maravilha chamada Internet. Com o surgimento do seu potencial ilimitado, esta joia da tecnologia tornou-se um paraíso por contestar normas culturais ou desafiar o que é visto como ‘normal’. A Internet abriu tantas portas que distinguir exatamente o que era cultura mainstream e contracultura tornou-se uma tarefa intransponível.

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GEORGE AND MARIANN

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VIETNAM DAY PROTEST, de don cravens 

Ligação entre a comunidade

LGTBQ+ e a Contracultura

Se examinarmos o tempo dos anos 60, outra contracultura importante estabeleceu os seus pilares fundamentais nesse período. A Liberação Gay, considerada uma precursora de vários movimentos sociais LGBT, era conhecida pelas suas ligações à contracultura do momento. Estes liberalistas gays queriam remodelar e, se calhar, abolir várias das grandes instituições e normas da nossa sociedade ao introduzir conceitos como o nuclear e a família de géneros. Estes desejavam implementar novas regras nas sociedades atuais, como reação, marcando os seus objetivos como duvidosos e insultuosos. No geral, a contracultura da Libertação Gay tinha todos os elementos radicais normalmente associados a tais movimentos, já que estes eram, por natureza, altamente anti-racistas e anti-capitalistas. Eventualmente, uma cultura genuinamente gay começou a estabelecer-se e, apesar de o terem feito de maneira discreta inicialmente, implementaram os seus próprios estilos, atitudes e comportamentos até toda
a gente começar a atender a este grupo demográfico em crescimento. Graças a opiniões extremamente pouco
ortodoxas, a sua luta foi uma batalha sangrenta com tradições e costumes. A atitude predominante pública era que a homossexualidade era um defeito moral que deveria ser castigado. Outros não queriam seguir uma via tão crítica,
mas declaravam que existiam assuntos urgentes que precisavam de mais atenção do que o movimento de
Libertação Gay. A despeito dessas opiniões, a contracultura adjacente às circunstâncias da Libertação Gay é um ótimo exemplo de como certos parâmetros são capazes de ser substituídos por ideias alternativas que acabam por prevalecer. A contracultura LGBT permanece um elemento ativo das nossas sociedades até aos dias de hoje. O
legado da Libertação Gay e a vitória definitiva são provas de que existe uma grande recetividade à homossexualidade e um grande número de celebridades abertamente gays. Dependendo do clima social em diferentes países, atualmente, a opinião sobre indivíduos gays varia em qualidade, mas a ideia de uma cultura homossexual alternativa permanece um dos melhores exemplos de como a contracultura é capaz de impactar as raízes das nossas sociedades, mudando-as completamente.

Determinando o Percurso da Arte

Já que a arte é, especialmente no sentido tradicional da palavra, considerada como a reflexão mais genuína e
precisa da cultura de uma sociedade, é bastante lógico que a arte se tenha tornado no típico campo de batalha para
a cultura e contracultura resolverem os seus problemas. Isto tem sido uma das situações frequentemente ocorrente e mais natural na história de arte, já que esta é a maneira como os novos movimentos e ideias surgem. Apesar de novas ideias artísticas a aniquilarem conceitos decorrentes ser tão velho como a própria arte, os primeiros grandes exemplos de cultura a ser confrontada com contracultura no sentido mais moderno, podem ser 
encontrados no século XIX. Movimentos como o Romantismo não se baseavam apenas nas mudanças radicais das estéticas artísticas, mas também nas mudanças profundas de toda a sociedade. Estes tinham as suas próprias ideias sobre o que era a cultura e o que esta deveria ser, e desejavam implementar essas normas na sociedade. Se analisarmos estas circunstâncias, na medida em que a arte se envolve, a maioria das contraculturas dentro deste domínio apresentaram uma tendência para desafiar sociedades com os seus conteúdos, o que significa, questionar descaradamente os padrões dentro de culturas e mudar para uma maneira mais moderna de pensar.


Se avançássemos umas décadas, deparar-nos-íamos com alguns dos melhores exemplos de como a contracultura
é capaz de causar mudanças importantes dentro do mundo da arte. Durante o ano de 1917, Marcel Duchamp
apresentou a sua notória Fonte, uma obra que estava destinada a ser, o que este descrevia ser, um ataque
intencionado às convenções básicas da arte. Esta é a obra icónica que se pensa ter derrubado com sucesso os
pilares tradicionais de arte e foi capaz de o fazer por a ter apresentado aos espectadores com um ponto de vista alternativo, que se veio provar ser mais conceptualmente avançada do que tudo que surgiu antes desta. Ocorrências semelhantes deste período dourado de avant-garde podem ser rastreadas às circunstâncias do Fauvismo, Cubismo e Surrealismo. O mais recente dos grandes movimentos artísticos foi uma das combinações mais fascinantes de expressão artística, cultura e contracultura. Falamos, claro, da famosa Pop Arte – aqui está um movimento que foi baseado na cultura atual e foi simultaneamente desafiando tudo o que estava estabelecido no sentido tradicional e no sentido avant-garde.


É crucial apontar que exemplos de contracultura dentro de círculos de arte, sempre foram acompanhados por um certo nível de controvérsia, já que mudanças radicais de normas dentro de estéticas ou conceitos por trás de obras são sempre confrontados com resistência daqueles que ainda acreditam nos modelos antigos. Isto mudou muito pouco no decorrer da história de arte contemporânea, incluindo as circunstâncias atuais, embora as linhas que separam a cultura do seu inimigo estarem borradas presentemente. Inúmeros artistas basearam ou os seus vocabulários visuais ou as suas teorias por trás das suas obras, em elementos de culturas ocorrentes ou contraculturas – isto é uma simples necessidade para que a arte evolua. Esta teoria é agora amplamente aceite e artistas modernos estão bastante conscientes do facto, significando que, contestar padrões ativos é agora mais popular que nunca. Isto torna o panorama contemporâneo extremamente dinâmico, já que, literalmente, todos os suportes e áreas da arte têm, pelo menos, alguns caminhos confrontantes. Visto desse ângulo, torna-se bastante claro o porquê de tal confrontação de diferentes opiniões ser tão crucial para a arte, moderna e velha. Se artistas, de alguma maneira, se desprendessem da cultura e contracultura, a arte como a conhecemos deixaria de existir.

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Cockettes go shopping (1972), de clay geerdes

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free speech march, fotografia de chris kjobech

A Importância de Qualquer

Movimento de Contracultura

Portanto, o quão fulcrais são as contraculturas para a nossa sociedade? De certeza que não é surpreendente, mas
muito. Se considerarmos que a cultura é, no final de contas, o melhor indicador da identidade da sociedade, do
nosso lugar no geral e propósito na história, as contraculturas tomam, automaticamente, o papel fundamental da
nossa existência – são aquelas que inspiram à mudança. Para crescermos e evoluirmos, mudanças são
necessárias. Quando e como essas mudanças devem ser feitas – estas são as orientações que as
contraculturas são incumbidas a definir. De certo modo, devido à sua natureza consciente, as contraculturas são
os elementos das nossas vidas que indicam onde estivemos e para onde iremos. Quando visto dessa perspetiva,
torna-se de imediato evidente o grande valor que as contraculturas têm na nossa vida – tal como as grandes
responsabilidades que caem no colo daqueles que fazem parte destas.

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